Desafios do governo Dilma:
saúde
Prioridade para os brasileiros, setor soma queixas e desafia nova gestão.
Série do G1 analisa os principais desafios do próximo governo federal.
A aposentada Dorcas dos Santos, 57 anos,aguarda atendimento no Hospital do Servidor
Público Municipal, em SP: "Isso está um caos."(Foto: Thiago Guimarães/G1)
Público Municipal, em SP: "Isso está um caos."(Foto: Thiago Guimarães/G1)
A emergência do hospital atende, além de servidores, outros usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) na região central da capital paulista. A fila é organizada e cerca de 20 pessoas estão à frente da auxiliar de enfermagem, que voltara a sentir dores no tórax após um acidente de carro em setembro.
“Isso está um caos. Se é difícil para mim, que sou servidora, imagine para quem está no SUS [o tempo todo]”, reclama.
A queixa expõe sobrecarga de hospitais e prontos-socorros públicos no país. Subfinanciados, hospitais reduzem a oferta e a qualidade dos serviços, com prejuízo para o cidadão. Diante dos problemas do SUS, que em tese tem obrigação de atender a todos, avança no país a saúde privada, para atender os 23% da população (44 milhões de pessoas) que podem pagar por um plano.
Bem ou mal atendidos, os brasileiros elegem a saúde como prioridade número, de acordo com pesquisa Ibope realizada em junho deste ano a pedido do Jornal Nacional. Na ocasião, 41% dos entrevistados disseram que o assunto é sua maior preocupação.
Prometeu, por exemplo, como resposta à superlotação das emergências dos grandes hospitais, construir 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e 8.694 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) pelo país, ao custo de R$ 8,1 bilhões.
As UPAs são as unidades intermediárias entre os postos de saúde e os hospitais, que se propõem a desafogar o atendimento em hospitais do SUS.
Especialistas consultados pelo G1 aprovam o investimento nessas unidades, mas alertam que as UPAs não podem substituir a atenção básica, aquela que vai do posto de saúde ao Programa de Saúde da Família (PSF) e permite solucionar a maior parte dos problemas.
“Somos favoráveis à construção de UPAs, mas desde que elas não sejam a porta de entrada do sistema. Senão você estará fazendo apenas paliativos”, afirma Antônio Carlos Nardi, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
Para Gonzalo Vecina, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e atual superintendente corporativo do hospital Sírio-Libanês (SP), a ênfase nas UPAs não pode implicar em perda do foco na atenção primária. “Se tirar o paciente da atenção básica, será um desvio que vai custar caro e desmontará o projeto de atenção básica”, diz Vecina, para quem é preciso manter a aposta no PSF.
Situação de lotação registrada em fevereiro de 2010 no hospital Agamenon Magalhães, em
Recife, referência em cardiologia na região.(Foto: Sindicato dos Médicos de Pernambuco)
PSF e atenção básicaRecife, referência em cardiologia na região.(Foto: Sindicato dos Médicos de Pernambuco)
Formulado em 1994, o PSF, que Dilma prometeu reforçar, busca substituir o modelo focado no atendimento hospitalar por um sistema baseado em prevenção e cuidados com a saúde.
Cada equipe do programa, formada em tese por médico, enfermeira, auxiliar, dentista e agente comunitário, responde pelo acompanhamento de até 4.500 pessoas em uma determinada área.
Em 2008, a cobertura do PSF superou 50% da população brasileira, chegando a 96,5 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Concentra-se no Nordeste (67,7% dos habitantes cadastrados), enquanto é menor no Sudeste (35,9%), região em que predomina a cultura da alta complexidade, em detrimento da saúde preventiva.
O avanço do PSF esbarra na falta de médicos generalistas, peças chave no atendimento à saúde básica e cuja formação não é priorizada pelas faculdades de medicina, aponta Nardi, do Conasems. “Há dificuldades de completar equipes do PSF em áreas remotas. As universidades têm que formar mais força de trabalho para o SUS”, afirma o dirigente.
A qualidade do gasto em saúde no Brasil é ruim. Temos que inverter essa lógica"
Gonzalo Vecina
superintendente do hospital Sírio-Libanês
superintendente do hospital Sírio-Libanês
O fluxo de recursos para a saúde representa outro gargalo do sistema. O tema é recorrente desde a derrubada pelo Senado, em 2007, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Voltou com tudo após a eleição de Dilma, quando governadores eleitos, de olho em novas receitas, opinaram a favor do retorno do tributo. Durante a campanha, Dilma evitou defender a criação de um novo imposto. No Congresso, tramita uma proposta para a criação de nova fonte de receitas para o setor, a Contribuição Social para Saúde (CSS), versão repaginada do imposto do cheque.
A discussão envolve ainda a regulamentação da emenda 29, aprovada em 2000, e que fixou percentuais mínimos de gastos em saúde para União, estados e municípios. Sem financiamento definido, não há consenso legislativo para aprová-la. Sem regulamentação, há diferentes interpretações sobre o que é ou não despesa em saúde.
Com ou sem novas fontes ou garantias de receita, a distorção do financiamento da saúde no país é um desafio a ser encarado pelo governo Dilma, afirmam especialistas. O Brasil investe hoje cerca de 8% do PIB em saúde, índice referente aos gastos totais de governos, famílias e empresas empregadoras do setor. Mas o gasto público responde por apenas 3,5% do PIB – o restante são gastos de famílias e empresas.
No total, quase um quarto dos gastos com saúde no Brasil se destinam aos 23% da população que têm plano de saúde, e o sistema público ainda tem que atender os casos que a saúde suplementar não contempla.
“Na maioria dos países desenvolvidos, o gasto público representa, em média, 70% do total. E a qualidade do gasto no Brasil é ruim. Temos que conseguir inverter essa lógica”, afirma Gonzalo Vecina.
Especialista vê ausência de política de estado
Embora os obstáculos estejam à vista, há quem avalie que parte do problema passa pela falta de projeto, como no caso da última campanha eleitoral.
“Não foi apresentado um projeto para a saúde no Brasil, mas um conjunto de obras e números. O principal gargalo é que o SUS é visto como sistema para pobres, e que, portanto, não é único. O principal desafio a ser enfrentado é a política de saúde, se vamos oferecer às classes C e D planos baratos de R$ 40 ou vamos ter o SUS”, afirma Lígia Bahia, doutora em saúde pública e pesquisadora do Laboratório de Economia da Saúde da UFRJ.
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